TEXTO INÉDITO - A PALAVRA COISA
Posted In:
Crônicas de Pedro Bandeira
.
By Biblioteca Pedro Bandeira
Confiram uma crônica inédita do nosso Pedro:
A
palavra "coisa" é um bombril do idioma.
Tem
mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual recorremos, sempre
que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. "Coisas" do
português.
Gramaticalmente,
"coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser
verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar".
E,
no Nordeste, há "coisar": Ô, seu "coisinha", você já
"coisou" aquela coisa que eu mandei você "coisar"? Na
Paraíba e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha. Em
Olinda, o bloco carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo, em seu
estandarte. Alceu Valença canta: Segura a "coisa" com muito cuidado /
Que eu chego já." Já em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem
(menos o trem, que lá é chamado de "coisa"). A mãe está com a filha
na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que
lá vem a "coisa"!
E
no Rio de Janeiro? Olha que "coisa" mais linda, mais cheia de
graça... A garota de Ipanema era coisa de fechar o trânsito! Mas se ela voltar,
se ela voltar, que "coisa" linda, que "coisa" louca. Coisas
de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas.
Coisa
não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa
é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim! Coisa também não tem tamanho. Na boca
dos exagerados, "coisa nenhuma" vira um monte de coisas...
Mas
a "coisa" tem história mesmo é na MPB: No II Festival da Música
Popular Brasileira, em 1966, a coisa estava na letra das duas vencedoras:
Disparada, de Geraldo Vandré: Prepare seu coração pras "coisas" que
eu vou contar..., e A Banda, de Chico Buarque: pra ver a banda passar, cantando
"coisas" de amor... Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava
preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com
as coisas: "coisa" linda, "coisa" que eu adoro! Para Maria
Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade, afinal são tantas
"coisinhas" miúdas.
E
esse papo já tá qualquer "coisa". Já qualquer "coisa" doida
dentro mexe... Essa coisa doida é um trecho da música "Qualquer
Coisa", de Caetano, que também canta: alguma "coisa" está fora
da ordem! e o famoso hino a São Paulo: "alguma coisa acontece no meu
coração"!
Por
essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de
cada vez, é claro, afinal, uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E
tal e coisa, e coisa e tal.
Um
cara cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. Já uma cara
cheia das coisas, vive dando risada. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a
coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A
coisa pública não funciona no Brasil. Político, quando está na oposição, é uma
coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando elege seu
candidato de confiança, o eleitor pensa: Agora a "coisa" vai... Coisa
nenhuma! A coisa fica na mesma.
Uma
coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas
coisas! Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para serem
usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas?
Bote
uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas.
Há
coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
Mas,
deixemos de "coisa", cuidemos da vida, senão chega a morte, ou
"coisa" parecida... Por isso, faça a coisa certa e não se esqueça do
grande mandamento:
"AMARÁS
A DEUS SOBRE TODAS AS "COISAS".
RESSAI ;)